UM (IN)VULGAR EXÍLIO

24 de Julho de 1959.

António Ferreira Gomes sai de Portugal, deixa para trás tudo quanto construiu ao longo de anos, vai por tempo indeterminado para o estrangeiro e, no coração, leva a amargura que sempre acompanha a partida.

A trágica tristeza da ida para outro país pelos mais diversos motivos não era invulgar nesse infausto período designado por Estado Novo, em que a pata de António Oliveira Salazar e sequazes esmagava com crueldade brutal qualquer veleidade de se sonhar com a liberdade , fosse ela qual fosse.

A única razão de estranheza neste forçado exílio, surge do facto de o proscrito ser alguém com altas responsabilidades no interior da fechada hierarquia da Igreja Católica portuguesa, completamente submetida ao ditador.

Alguém que um ano antes ( mais precisamente, em 13 de Julho de 1958) tivera a coragem de romper a vergonhosa conivência da sua instituição com o regime ditatorial em vigor, através de uma Carta Aberta dirigida a Salazar.

Neste documento , o seu autor põe a nu as chagas do país e as atrocidades cometidas sobre a população, denunciando os seus responsáveis e dizendo directamente ao Presidente do Conselho aquilo que considerava da sua actuação.

Como se imagina , um acto tão destemido não poderia deixar de ter um elevado preço para quem o assumiu com toda a frontalidade. Aliás, até quem consigo colaborava teve dissabores graves - como, por exemplo, o padre Manuel Martins ( o futuro "Bispo Vermelho" de Setúbal).

Assim , Salazar e o cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, seu amigo de longa data e responsável máximo da Igreja, moveram todas as suas influências e utilizaram todo o seu poder junto do Vaticano para que fosse afastado das suas funções e , de preferência , do país.

Ora de um Papa com o detestável perfil de Pio XII - germanófilo, protector dos criminosos de guerra do regime fascista católico do croata Ante Pavelic, aliado político de neofascistas - António Ferreira Gomes, bispo do Porto, não poderia, evidentemente, esperar qualquer tipo de apoio. Como, aliás, não o teve também da esmagadora maioria dos padres e religiosos portugueses, cúmplices cobardes de toda esta vergonhosa manobra.

Deve-se dizer que o facto de a igreja portuguesa se ter calado e se ter prestado a todos os jogos sujos durante este negro e duro tempo histórico , é perfeitamente coerente com o desempenho do Vaticano ao longo de toda a sua presença na Terra até aos dias de hoje.

Consequentemente, um ano após a vinda a público desta denúncia clara da difícil situação suportada pelas pessoas em Portugal, o bispo foi obrigado a ir viver para Roma e impedido de regressar à pátria.

Só dez anos depois, em 1969, regressaria a Portugal , mas já sob o aval de Marcelo Caetano.

Porque muita gente parece andar esquecida da dureza do infame Estado Novo e muito mais gente parece nem estar sequer informada das suas crueldades e atropelos, não quis deixar de aqui assinalar uma data tão importante.

VIVA A LIBERDADE!!

HONRA A QUEM LUTA POR CAUSAS JUSTAS E NOBRES!!

Comentários

  1. É, a injustiça nunca falta onde o autoritarismo se impõe. Bj, amiga querida e um bom fom de semana.

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  2. Pois é como dizes, linda.

    A injustiça é fruto sazonado da ilegalidade.

    Bem hajas!

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  3. Grito contigo por la libertad, querida amiga.

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  4. Que marvilhos é gritarmos juntos, meu estimado companheiro.

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  5. Sim, importante abrir os olhos, os ouvidos e o coração a quem anda cego e desinformado!

    LUIZ

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  6. Lá está, aqui lei-o frontalidade.
    Continua assim...forte!!!

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  7. E a quem interessa tanto tanta desinformação, senão aos mesmos de sempre, LUIZ?...

    Saudações.

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  8. Com a tua ajuda, continuarei...

    Fica bem, MAGYMAY

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  9. Cegueira e desinformação...o prato do dia!Medo da verdade...e apologia do medo...sufoco e "castração"...

    Beijinho doce e obrigada pela visita.

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  10. Amiguinha:
    Num texto poderoso remetido ao tempo opressivo de antes da Revolução dos Cravos.
    António Ferreira Gomes, um nome a reter e ca registar. Pelo brio. Pela luta pela liberdade. pelo amor e entrega aos outros.
    Já sumariei.
    Como consegue expressar dar viva voz a personagens e acontecimentos marcantes com tanta doçura e encanto visíveis e manifestos...?
    É uma amiguinha de sonho.
    Linda. Admirável e sensacional. De fascínio.
    Bem-Haja, amiga.
    Beijinhos de gratidão pela sua linda amizade...Muitos!

    pena

    MUITO OBRIGADO por ser justa e íntegra no que faz com pureza de sentimentos e pela amizade que muito prezo para comigo.
    Muito linda...sabia?
    Sempre a lê-la com cuidado pela forma mágica como o que faz.
    Bem-Haja, amiguinha.

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  11. O que é esse elo que nos faz perder o rumo quando deixamos nosso lugar de aromas e imagens?
    Deixar o que nos construiu sempre dói. Que tenha sido para o melhor, dentro de mais esse que deixou seu berço.
    Abraço e bom final de semana.

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  12. Hoje, vivemos exilados na nossa própria pátria. É diferente a ditadura, mas não deixa de ser ditadura. Não tem a forma da outra, mas tem o seu conteúdo.

    Comemos os restos, como então.

    O país é um enorme campo de concentração.

    A tragédia, é que nos permitem eleger os guardas e o director do campo.

    Eles sabem fazê-la.

    Um grande beijo.

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  13. Uma mão cheia de canalhas que, infelizmente, nunca receberam a punição merecida.

    Uma ideia; Se o Estado devolve terras (abandonadas)nacionalizadas após o 25 de Abril aos anteriores proprietários, por que não pode exigir por justiça aos descendentes dos canalhas?

    Kiss, Kiss!
    Bom fim-de-semana!

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  14. Que bom tê-la aqui, MEU DOCE AMOR!

    Castração da verdade e impunidade dos criminosos é infelizmente vísivel também na nossa vida de hoje, efectivamente.

    Por isso é indispensável a memória da tragédia que foi para Portugal , a infânia da ditadura.

    Um bom fim de seamana com os seus.

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  15. Estimadisssimo PENA, se há quem tenha de ficar em dívida de gratidão, sou eu. Pela sua amabilidade , pelo seu modo de expressar o que sente, pela pesssoa que demonstra ser.

    A memória de todas as pessoas que tiveram a coragem e dignidade de se levantar contra Salazar e Caetano, merecem a nossa palavra e a nossa presença.

    Um óptimo fim de semana, en companhia dos seus.

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  16. Minha querida CLARICE, o bispo do Porto foi remetido para um forçado exílio dourado na Cúria Romana: Salazar - com a conivência do cardeal-patriarca de Lisboa, Cerejeira - jamais lhe perdoou a ousadia da publicação daquela Carta e assim impediu sempre o seu regresso ao país.

    Houve casos ainda muito piores , pois bastantes acabaram em assassinato puro e simples de quem se opunha ao regime.

    Um bom fim de semana, linda.

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  17. Meu querido amigo MONTECRISTO, é uma alegria imensa esta tua inesperada aparição aqui.

    Sim, tens razão: vivemos numa pseudo democracia...em certo sentido pior do que a ditadura pura e dura, pois se tem a ilusão de estarmos livres.

    Um abraço com muitas saudades e amizade.

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  18. Meu caro FRANCIS, no estado de sítio a que chegámos parece-me que restam muito poucas pessoas decentes para que seja possível castigar os canalhas e sua descendência: mais de metade da população portuguesa iria para a prisão!

    Um excelente fim de semana.

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  19. E a liberdade tem de ser sublinhada dia-a-dia, em todos os detalhes da nossa vida. Quer no plano político, profissional ou mesmo na esfera pessoal, há sempre limites a defender.
    Beijos.

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  20. São

    Nunca é de mais lembrar até porque quem não viveu durante esses tempos cruéis de ditadura subestima muitas vezes a dureza e crueldade do regime.
    O exemplo que tão bem retratas é um entre muitos que poderiamos citar.
    Porém aqui temos a conivência da igreja católica para crueldades sem nome a fim de que certos poderes mativessem intactos os seus privilégios.
    António Ferreira Gomes, um nome que não deverá ser esquecido e que tu recordaste e mostraste com determinação.

    Um abraço minha querida

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  21. Na minha história do Manel no Sexta tenho deixado bem explícito o que foram esses anos.
    Um abraço e uma boa semana

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  22. Para quem preza a liberdade tanto a nível colectivo como pessoal - como é o meu caso - a sua ausência quase asfixia.

    Por isso tenho como um dos meus mais amados poemas aquele em que o grande Miguel Torga clama por ar livre!


    Uma feliz semana, estimada FILOXERA!

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  23. LIDINHA. minha querida, a Igreja católica é desde a Idade Média uma história de poder e infâmia.

    E esta verdade deve ser dita por muito que se respeite quem verdadeiramente considera o catolicismo o seu caminho para Deus.

    A denúncia da falsidade e da corrupção do Vaticano é também uma homenagem feita a quem tem lutado para reformar tanto o Papado quanto a Cúria, a quem criou a esmagada Teologia da Libertação, a quem aderiu ao Movimento dos Padres Operários, a quem defende o fim do celibato obrigatório.

    Que a tua semana seja excelente.

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  24. Sim, eu sei: tenho acompanhado...embora por vezes em silêncio.

    Uma feliz semana, amiga ELVIRA!

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  25. Desconhecia esta história, mas não me surpreende face aos métodos autoritários de Salazar, quanto à Igreja Católica, enquanto foi dirigida pel Cardeal Cerejeira estava instrumentalizada, e vários clérigos tiveram problemas...

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  26. Agora é que é o fim: se uma pessoa tenta e informada como o António desconhecia o drama do Bispo do Porto como está o conhecimento acerca da História nestas gerações mais recentes?

    É por isto que cada vez mais a vida cívica se resume ao Cristiano-o-grande e afins!!

    Viva a televisão portuguesa , as telenovelas brasileiras e outras, as largas análises futebolísicas!!

    Fique bem.

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  27. legal teres lembado da história...como será o futuro se a história não é dita?

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  28. pela liberdade, sempre! mas há tanta confusão na cabeça de tantos que a gritam...
    querem metger-nos os dedos pelos olhos adentro, xará, tantossssssssss, mas não podemos deixar!
    beijinhos

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  29. e assim se reavivam os dias...

    no breve traço apenas.

    l.i.b.e.r.d.a.d.e. sempre.

    . um beijo São .
    . uma boa semana .

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  30. O ditador não perdoava a ninguém que lhe fizesse frente. Todos os ditadores são assim...
    Viva a LIBERDADE.
    Um beijo São

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  31. Quem se se esquece do passado, perde o presente e arrisca-se a cometer os mesmos erros no futuro, não é?

    Um abraço, ADRIANA.

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  32. Concordo de todo contigo, querida xará.

    Há quem confunda liberdade com libertinagem e que só implica direitos, esquecendo os deveres.

    Beijinhos, GAIVOTA.

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  33. Que bom ter-te como companheiro nestas lutas, meu caro!

    Umm grande abraço, PAULO.

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  34. ...e não há como exterminá-los, GRAÇA?!

    E aos que retorcem os factos históricos que podemos fazer?

    Tudo de bom, companheira.

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  35. Depois de tanto sofrimento, tanta desilusão, vivemos actualmente num desespero de não vermos ninguém a emergir com possibilidades de poder oferecer-nos algo de bom.
    Nasci, no tempo da grande noite e tantos anos depois, morro no escuro

    Bj. (q. amiga)

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  36. Meu caríssimo amigo, o drama - porque é um drama!- é(-nos) comum.

    Bem hajas.

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(Saudação Cátara)

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