quarta-feira, janeiro 28, 2015

AL BERTO : SIDA

SIDA 

aqueles que têm nome e nos telefonam 
um dia emagrecem - partem
deixam-nos dobrados aos abandono
no interior duma dor inútil muda
e voraz 

arquivamos o amor no abismo do tempo
e para lá da pele negra do desgosto
pressentimos vivo
o passageiro ardente das areias - o viajante
que irradia um cheiro a violetas nocturnas

acendemos então uma labareda nos dedos 
acordamos trémulos confusos - a mão queimada
junto ao coração

e mais nada se move na centrifugação
dos segundos - tudo nos falta

nem a vida nem o que dela resta nos consola
a ausência fulgura na aurora das manhãs
e com o rosto ainda sujo de sono ouvimos
o rumor do corpo a encher-se de mágoa

assim guardamos as nuvens breves os gestos
os invernos   o repouso   a sonolência
o vento
arrastando para longe as imagens difusas
 daqueles que amámos e não voltaram 
a telefonar

AL BERTO
(11/1/1948  -  13/6/1997)

23 comentários:

  1. Um belo poema, mas muito triste!
    Abraço

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  2. Compreensivelmente, porque viveu a doença de muito perto...

    Beijinho :)

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  3. É verdade...poema feito de vida.

    Beijinho

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    1. A Vida tem dpr e alegria .Pena que a indiferença , por vezes, reine e nos abandone à nossa sorte.

      Beijinhos, amiga Ana

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  4. Todos morreremos um dia, com mais ou menos sofrimento, deixando maior ou menor dor nos que nos hão-de sobreviver.
    Cumps

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    1. Assim é, e que soframos o menos possível!

      Bom serão :)

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  5. ~ Lamentavelmente, continua a ser uma doença que estigmatiza os pacientes e que os deixa privados de afectos e de elos que lhes pareciam indissolúveis.

    ~ O poema é belo e impressionante: fala-nos do triste e melancólico viver de quem, enfraquecido e solitário, está a despedir-se deste mundo.

    ~ Gostei de meditar sobre este problema. Nunca aconteceu como hoje.

    ~ ~ ~ Beijinhos, São. ~ ~ ~
    .

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    1. A sociedade actual não lida bem com o sofrimento.

      Além disso, continua com muitos e fortes preconceitos, infelizmente.

      Beijinhos, querida Majo

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  6. Gracias por darlo a conocer. Un beso.

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    1. Gracias por teu apreço, Pedro.

      Abrazos , querido amigo

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  7. "arquivamos o amor no abismo do tempo" - destaco este verso deste belíssimo poema...
    Ainda um sério problema pelo estigma social; os doentes, mesmo em vida, vão morrendo sob os olhares fulminantes do preconceito.
    Bjo, São

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    1. A Sida, tal como a peste e a lepra, é terrível e ainda mais por causas desses preconceitos, sim.

      Lembras-te de António Variações, cujo enterro não teve ninguém do meio artístico??

      Também gostei da imagem...

      Grato abraço, amiga

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  8. Um poema muito triste. A SIDA ainda é ao fim destes anos todos uma doença que desencadeia a solidão pelo preconceito ainda existente.
    Um abraço

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  9. Um poema muito bem escrito, mais triste demais.
    Um beijo São!

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    1. Muito sofrido, sim, mas percebe-se: o autor conviveu de muito perto com esta dramática doença logo que ela apareceu

      Abraço grande :)

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  10. Essas ausências nos empobrecem e nos fazem melhores, porque nos deparamos com a inevitabilidade.
    Belo poema, duro e difícil, mas belo.
    Abraço.

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    1. fazem-nos enfrentar a Vida e a Morte...

      beijinhos e bom fim de semana, amiga :)

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  11. Olá, São!

    Poema sofrido. Não só pela doença, mas também pelo abandono a que a mesma a muitos condena.E não só esta, mas muitas outras, já que ao ser humano sempre será mais fácil conviver com a alegria do que com o sofrimento...
    E gostei de ouvir o Madeirense, que já não ouvia há "séculos".

    Abraço amigo e bom fim de semana..
    Vitort

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  12. Bem vindo !

    É difícil ver quem se gosta , a sofrer sem podermos ajudar.

    Porém, penso que por solidariedade não nos devemos afastar nesses momentos difíceis.

    No entanto, sei de casos em que as próprias pessoas ou quem lhes está perto não querem visitas...

    Também sempre gostei de ouvir Sérgio Borges,

    Abraço grande e fica bem, meu caro Vítor !

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  13. Dificil comentar estas vidas. Aconteceu e nem os amigos nem os SOS valem muito. Sem querer vemos que se esfumam as esperanças.
    A dor corre devastando as magras leiras onde antes se semearam sonhos...

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    1. Infelizmente, assim é...

      Bom domingo, Luís

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  14. Não conhecia! Um choque de poema!! Tão sentido, tão certeiro!! Muito bom!

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"BENVEGUT AQUÈL QUE NOS VEN MANS DEBÈRTAS"
(Saudação Cátara)