"ATÉ AO FIM DA TERRA", DAVID GROSSMAN

"Até ao Fim da Terra" é o mais recente livro do premiado escritor israelita David Grossman e foi distinguido com  Prix Médicis Étranger, National Jewish Book Award, JQ Wingate Prize  ,além de ser considerado o melhor livro de 2011 pela revista "Lire".

O meu interesse despertou quando li uma entrevista dada pelo autor à revista "Visão" , onde explica que sendo defensor da existência de Israel e sentindo o perigo que o Irão representa, se insurge contra a política de guerra e agressão contínuas efectuada por Benjamim Netanyahu (actual Primeiro-Ministro) e sionistas  sobre os palestinianos porque os judeus têm o dever de entender as razões que lhes assistem.

Segundo as suas próprias palavras, começou a escrever em Maio de 2003 e "tinha o sentimento  - ou mais exactamente o desejo - de que o livro que estava a escrever o protegesse". O rapaz que queria salvaguardar através da escrita era seu filho e cumpria o  período de serviço militar (obrigatório para ambos os sexos, excepto para os religiosos ultra-ortodoxos, que ironicamente pretendem a reconstrução do Grande Israel - o que implicaria a destruição de vários países .  A semelhança com o "Espaço Vital " de Hitler e consequente extermínio de 80% da população polaca é deveras impressionante).

Infelizmente,  a vida de Uri, começada em 1985, terminaria dentro de um tanque do Corpo de Blindados em 12/8/2006 e trouxe uma mudança ao livro:" o eco da realidade em que foi escrita a última versão."

O volume tem 681 páginas , mas a escrita é muito interessante e , consequentemente, aconselho vivamente a sua leitura.

Considero que daria um excelente filme.

O romance tem como tema central a teia de relações complexa e intrincada de Ora, Avram e Ilan, e  através dela o surrealismo que é a existência naquela região.

No Prólogo  este trio judeu conhece-se em 1967 num hospital evacuado , onde estão de quarentena aos cuidados de uma enfermeira árabe.

Em 2000, Ora - cujo divórcio de Ilan era recente - leva Ofer (filho dela e de Avram) para uma acção militar de emergência contra os palestinianos para o qual ele se tinha voluntariado , no táxi  que estava sempre ao seu dispor e que pertencia a Sami, árabe.

Para ela foi um choque , porque o jovem já cumprira o serviço militar obrigatório e tinham planeado uma viagem a pé pelo país. Então decide que para o proteger terá que empreender essa mesma Caminhada.    E decide também que o pai do rapaz, que nem o conhece, a irá acompanhar.

Chama o táxi , mas vê-se confrontada , através de Sami, com a dura realidade de pessoas sem abrigo nem protecção e em constante risco de vida, sómente por motivos raciais. Só depois de entregarem uma criança árabe doente a quem o pudesse auxiliar, vão buscar Avram, farrapo humano desde  o regresso da sua terrível experiência como prisioneiro de guerra.

Tudo se complica ao ponto de Sami em plena noite, os fazer sair do carro e os abandonar em sítio desconhecido, regressando a casa em pragas e lamentos contra a absurda situação em que ali se é obrigado a viver.

E é nesta caminhada , dura e longa, que Ora vai contando a Avram a sua vida com Ilan , que viajara para  a América do Sul com Adam (filho de ambos) após o divórcio.

Ao longo dos dias e das noites , percorrendo caminhos e tendo vários encontros, o homem consegue reestruturar-se e ir tomando conhecimento duma vida em família que nunca teve.Assim como da razão do divórcio e que teve a ver com o facto de nem sequer Ofer se ter lembrado de um velho árabe atirado durante muitas horas para dentro de uma câmara frigorífica, nu.

O romance acaba com Avram , após ter visto Ofer pela primeira vez  e em fotografia, assumindo a responsabilidade de , em caso de morte do rapaz, nunca se esquecer dele.

Finalmente, Ora deita-se no solo e "pensou: que fina é a crosta da terra."