domingo, maio 19, 2013

CATARINA EUFÉMIA



Catarina  tinha 26 anos e um dos dois filhos ao colo, quando João Tomás Carrajola, tenente da Guarda Nacional Republicana, a assassinou a tiro de pistola-metralhadora em Baleizão, distrito de Beja(Baixo Alentejo), em 19/5/1954.

Como é sabido , o trabalho rural da  monda e da ceifa era pago à  jorna* em valores miseráveis.

O latifundiário dono do Monte do Olival propôs um valor que o rancho** de Baleizão não aceitou por o considerar demasiado baixo.

Porém, como Baleizão  fica sobranceiro à herdade,  a população a certa altura do dia viu um rancho a proceder à ceifa do trigo.

Juntou-se muita gente no largo e decidiu-se que um grupo de mulheres iria saber quanto era a jorna que o rancho estava a receber, na decisão de que se fosse a proposta recusada nada aconteceria, mas que se fosse mais baixa haveria protestos.

Entretanto, um destacamento da GNR de passagem para Serpa, onde também estava a acontecer algo semelhante, ao ver tanta gente junta ( uma coisa que sempre incomodou a ditadura) decidiu ir saber o que se passava.

As mulheres descendo para o Monte do Olival foram interceptadas a meio caminho por Carrajola, o oficial responsável pelo destacamento .

Usou , como era hábito, uns termos bem agressivos aos quais Catarina respondeu à letra. A reacção do tenente foi instântanea e brutal: esbofeteou-a. Ao ser assim agredida, a jovem avançou para ele e disse "Ah, se eu pudesse!".Foram as derradeiras palavras que pronunciou: Carrajola estendeu a mão , afastou as pernas da criança e disparou à queima-roupa , fulminando-a.

Na aldeia, quando o carro passou com ela, viram-na com a cabeça toda tombada para trás no banco e o cabelo , que usava comprido, solto.

Como se imagina , a indignação, a dor e a raiva tomaram conta das pessoas e Carrajola só não morreu nessa noite porque o viúvo( cantoneiro, inteligente, homem que sabia bem o que queria) assim decidiu.

Para o funeral, a população de Baleizão foi ao hospital de Beja tencionando trazer o corpo em cortejo funerário , a pé, até ao cemitério da povoação.

Evidentemente, o regime jamais permitiria tal coisa e após graves tumultos, as autoridades levaram o corpo para o cemitério de Pias, onde Catarina residia, pois embora tivesse nascido em Baleizão (13/2/1928), vivia naquela localidade, passando temporadas em casa da mãe.

O corpo só foi trasladado para Baleizão após 25 de Abril de 1974 e eu já fui de propósito à sua campa para rezar por ela( e por todas a vítimas de Salazar e Caetano).

Carrajola foi ilibado, dizendo o Relatório que a arma disparou por acaso e assim prosseguiu normalmente a sua vida, sem ninguém o incomodar.

Anos mais tarde, o seu filho e um dos filhos de Catarina trabalharam no mesmo local e falaram sobre o assunto. Mas, como é óbvio, não seria o filho do assassino a ter que responder por tão hediondo crime, embora tivesse feito saber quanto lamentava o que acontecera.

Conheci bem os dois filhos de Catarina , porque trabalharam ambos durante anos na pastelaria mais conhecida e frequentada do Barreiro, situada defronte do parque com o nome de sua mãe.


E é este tipo de opressão , de miséria e de falta de respeito pelas pessoas e pelos seus direitos que não podemos permitir que se volte a instalar em Portugal, por opção política de um bando de criaturas sem ética , nem ideais, nem valores.


* Jorna : o valor pago ao dia pelo trabalho no campo, decidido unilateralmente pelos lavradores.

**Rancho : grupo de homens e mulheres que efectuavam os trabalhos rurais. Geralmente, eram escolhidos diariamente  no largo da aldeia pelos feitores das herdades.

NOTA:
Os factos foram-me relatados por testemunhas presenciais, a quem aqui deixo público e veemente reconhecimento . Existe ainda uma  senhora com quase noventa anos, única sobrevivente do grupo de Catarina.

42 comentários:

  1. Os nossos mortos não morrerão se a nossa memória assim quiser!

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  2. não se pode deixar que coisas assim se voltem
    não se pode apagar o passado

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  3. No conocía la historia. Y merece no ser olvidada.
    Besos.

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  4. Conhecia a história, não tão pormenorizada. Falei dela num dos meus escritos sobre o Manuel. Um obrigada especial por no-la recordar.
    Um abraço e bom Domingo

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  5. As Catarinas , as guerreiras , desta vida , nunca morrem . . .
    Estamos tão necessitados de gente assim .
    Neste momento , talvez não nos matem como fizeram com esta valorosa mulher ... vão - nos matando .

    Um abraço , São , e obrigada por nos trazer Catarina ,
    Maria

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  6. Os filhos a trabalharem lado a lado....
    As voltas que a vida dá! como se costuma dizer.

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  7. Olá, São!

    Tempos horríveis, aqueles, num país governado por gente primitiva e brutal - e também assassina...
    Longe vá o agoiro, já chegou de ditadura!

    Bom Domingo, boa semana; um abraço.
    Vitor

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  8. Gostei de conhecer a história assim em primeira mão por testemunhas presenciais, se bem que já a conhecesse em traços gerais. A Catarina Eufémia vai viver durante muitos anos e bons na nossa memória coletiva...

    Beijocas, São!

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  9. Já não estamos muito longe disto, São! E este povo não se mexe...

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  10. Não deixemos que apaguem a memória!
    Abraço

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  11. Querida amiga:
    multiplicam-se na História as Catarinas.Quantas serão?Talvez milhares ou milhões.A Humanidade escreve sua História com sangue e lágrimas.
    Ela virou uma flor, um anjo, livrou-se deste inferno em que transformámos o mundo.Deixou entretanto um exemplo de coragem e destemor que infelizmente não somos capazes de repetir. Nossa cobaedia e submissão torna-nos indignos drquer de viver.
    As coisas contiunam exactamente como sempre fotram, e quem sabe? SEMPRE SERÃO ASSIM.
    Mulheres como ela existem e continuarão existindo como também os assassinos. Se todos estivessem unidos, eles, os assassinos fugiriam como ratos, pois são a minoria.
    Gostaria de poder visitar o túmulo dela e falar de minha admiração.
    beijos, querida.

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  12. Roasamarela ainda ciu uma vez de relance Carrajola, o assassino.

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  13. Vivi até aos dez anos numa aldeia alentejana...cresci com essa memória, embora ela tenha acontecido antes de eu nascer.
    Julgo que seria bom «despartidirizar» esse acontecimento, pois infelizmente ele tende a ser bem geral...sabes, São, que alguns dos meus alunos já trabalham «à jorna», a preços ridículos?!

    Beijo grande

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  14. Querida Ana, como reparaste, nunca fiz uma única referência partidária: o que (me) interessa realmente é o símbolo de uma mulher que alçou a voz contra o opressor e foi brutalmente assassinada a frio por quem representava a ditadura.

    Aliás, jamais colocarei a foto da sua campa por esse mesmo motivo.

    Não, não sabia...mas, desgraçadamente, não é nada que me surpreenda, pois a quadrilha que está no Poder - inclindo Cavaco - tem como objectivo destruir o país e levar as pessoas ao desespero apara qúe aceitem trabalhar seja em que condições sejam!

    E o que me dói é a passividade reinante ...até quando?! O que será necessário mais para que nos revoltemos?!

    Abraço fraterno.

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  15. Eu talvez também, já que Carrajola viveu para estas bandas...

    Fica bem, ROSAMARELA

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  16. As vítimas de Salazar e Caetano não podem ter dado a vida e o sofrimento em vão.

    Temos o dever moral de os dar a conhecer às presentes gerações!

    Um abraço, LINO

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  17. Querida LÊ, tem a razão de seu lado , por inteiro.

    Assassinatos destes , torturas e injustiças sempre fizeram (e, infelizmente, fazem e farão) parte da Humanidade na sua loga estra evolutiva.

    Ficam estas vítimas a iluminar-nos o caminho como faróis de esperança e a dra-nos exemplos vivos e imortais de coragem!

    Não coloquei( nem colocarei ) a foto da campa, porque tem um símbolo partidário e eu acho que o seu martírio está muito além e muito acima de qualquer conotação política.

    Aliás, houve uma cena lamentável entre dois Partidos da Esquerda , em baleizão, durante uma romagem ao túmulo porque cada um afirmava que Catarina era sua militante.

    Paz à sua alma!

    Um enorme e fraterno abraço, Amiga

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  18. Estão a assassinar-nos de uma outra maneira e a ficarem igualmente impunes...

    Pois, GRAÇA, "o povo é sereno"!

    Que terão que nos fazer mais?!

    Uma boa semana

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  19. E assim deverá ser, TETÉ! Porque estas novas gerações não t
    em ideia nehuma dos horores que uma ditadura faz sobre o seu próprio povo e acham que a Democracia é perene !

    Acerca de Catarina há muita coisa já que faz parte da lenda, inclusivamente que tinha 3 crianças, que foi escolhida para falar pelo grupo, que os homens nem queriam que as mulheres fossem junto do rancho que estava ceifando, etc.

    Abraço grande.

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  20. Bom dia, VÍTOR!

    Oxalá não voltemos a ter igual ou semelhante ditadura.

    Porém, neste momento, a DEmocracia está a ser seriamente posta em causa por este Governo sinistro de Paulo Portas/ Passos Coelho e sem que o medíocre Cavaco Silva seja um Presidente da República à altura do cargo que ocupa e tenha a coragem necessária para assumir as suas responsabulidades.

    Uma boa semana, amigo.

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  21. Também fiquei asim como tu quando soube...

    Bom feriado e boa recuperação das dores jardinísticas.

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  22. MARIA, o que esta gentinha instalada no Poder nos está fazendo é mais cínico e perverso do que o que a ditadura nos impôs.

    Porque Salazar e Caetano não disfarçavam, assumiram que chefiavam um regime autoritário e acabou!

    Um abraço apertado

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  23. ELVIRa, gostei da sua forma de a homenagear através de uma foto do Parque com o seu nome, situado no barreiro.

    Boa semana

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  24. Querido PEDRO , como imaginas, a tragédia (assim como tantaa outras) foi abafada durante a ditadura.

    Neste momento, os actuais governantes pertencem a uma geração que não sabe os horrores que as ditaduras cometem sobre o seu próprio povo e , culpa da minha geração, acham que podem fazer tudo: até colocar a DEmocracia em risco.

    Boa semana, amigo mio.

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  25. O trágico, SERGINHO, é que coisas impensáveis de agressaõ sobre o povo estão de regresso, sob a capa de eleições em que os elitores votam num programa que , assim que assumem o Poder, os governates trocam pelo seu oposto completo.

    Boa semana, amigo meu.

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  26. Concordo contigo, ROGÉRIO!

    Só que neste momemnto as pessoas suicidam-se e o Poder fica branqueado!!

    Boa semana

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  27. J+a conhecia a história, embora não de forma tão pormenorizada. Obrigado por a teres partilhado connosco.
    Uma excelente semana, amiga

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  28. É necessário não deixar cair no esquecimento estas brutais tragédias que a ditadura privocou.

    Penso também que a verdade já é tão dura que escusamos de entrar em versões fantasiosas, pois a lenda nada acrescenta.

    Bons sonhos, CARLOS

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  29. Obrigada! Por nos avivar, a memória!
    Há factos que desconhecia.
    Beijinhos

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  30. Bom dia
    Esta personagem é mais viva que todas as outras mortas no silêncio de uma cela ou nos trabalhos dos campos na torreira do Sol e na mingua de pão e de água.

    Um texto que faz doer a alma, porque eles voltaram e apressados disparam voltando a fazer vítimas aqui e além.

    Não nos domarão como cães amestrados. Unidos venceremos.

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  31. Ainda há dias uma amiga contava a história numa entrevista...

    Beijinho São :)

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  32. Só agora pude vir, São.
    Que história! Não sei o "grau" de divulgação dela (era desconhecida, para mim) mas seria importante que fosse mais divulgada, torrar-se um livro, um filme. Aquí no Brasil, desde sempre, cometem-se barbaridades desse gênero. Na "nossa" Ditatura aconteceram coisas terríveis.

    Acabei de ler um livro sobre Antônio Conselheiro, personagem retratado em "Os Sertões", de Euclides da Cunha. O livro que agora li, conta toda a verdade histórica sobre Antônio Conselheiro. São mártires, cujas histórias, precisam ser resgatadas.

    Parabéns, São!
    Um beijo,
    da Lúcia

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  33. Caro LUÍS COELHO, é criminoso permitir que as actuais gerações não saibam o que foi o horror da Ditadura.

    Os poderosos protegidos por Salazar e Caetano regressaram em força e , aproveitando o facto de a Direita estar em todos os Governos europeus, estão a vingar-se do 25 de Abril e uma das formas é o desemprego, para que as pessoas acabem por aceitar trabalhar por salários miseráveis e sem direitos .

    SE quisermos, não nos assassinarão, mas temo que muita gente esteja perfeitamente alienada e tudo isto descambe em conflito armado, sabe?

    Bons sonhos

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  34. Desgarradora historia, pero lo más triste es que no se haya hecho justicia.

    Un abrazo.

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  35. Como muitas ootras, infelizmente.

    ESta é mais conhecida, porque Baleizão era uma terra de luta...mas a ditadura torturou e assassinou muita gente no campo de concentração do Tarrafal (Cabo Verde), em Peniche, em Caxias, na Terceira.

    Chegou a matar a tiro um estudante dentro da Universidade!!

    Bons sonhos, Rafael

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  36. Não admire, MINA, porque a lenda criou-se e muita coisa não aconteceu, como por exemplo, ter morrido nos braços do patrão , ter três crianaçs, a GNR ter ferido mais pessoas.

    Temos que fazer saber estes ferozes actoa da ditadura Salazar -Caetano às novas gerações, para que também defendam a DEmocracia e para que saibam que o estudante Ribeiro dos Santos foi assassinado também a tiro pela PIDE dentro da Universidade.

    Abraços a si e ao Bruno.

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  37. Ele devia ter-se vingado, esperar pela vingança da sociedade, a que chamam patuscamente Justiça, é dar dinheiro a licenciados que fazem falta no trabalho do campo. boa semana

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  38. Não era o rei assassinado a tiro no Terreiro do Paço que se lamentava de que reinava sobre uma choldra? Pois , agora, ainda está bem pior!

    Boa semana

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  39. Esperemos que sem os floreados do costume, pois há muita coisa acrescentada...

    Fica bem, MARIA...e não te percas , rrss

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  40. António Conselheiro, pois também não conheço.

    Aqui o drama de Catarina é razoavelmente conhecido, mas -como bem diz - deveria dar um filme.

    Infelizmente, criou-se uma lenda enorme e partidarizada, o que é lamentável.

    Casos de pessoa mortas a tiro pela PIDE (polícia política)foram o estudante Ribeiro dos Santos no interior da Universidade de Lisboa e o pintor Dias Coelho numa rua lisboeta ( onde mais tarde trabalhei).

    Torturas bárbaras, atropelos à lei, selvajarias , perseguições...tudo Salazar e Caetano utilizaram para manter a ditadura.

    Temos, penso, o dever moral e de gratidão, de fazer passar o testemunho destas pessoas às gerações seguintes.

    Abraço grande, LUCINHA

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  41. O António era (é embora a separação do grande mar e a falta de contacto) meu amigo, o outro filho não cheguei a conhecer.

    Um abraço, grande.

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  42. Desconhecia essa tua amizade com um dos filhos de Catarina.


    Sabes que um dia destes houve quem mostrasse dúvidas acerca do assassinato???

    Fica bem

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"BENVEGUT AQUÈL QUE NOS VEN MANS DEBÈRTAS"
(Saudação Cátara)

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