Catarina tinha 26 anos e um dos dois filhos ao colo, quando João Tomás Carrajola, tenente da Guarda Nacional Republicana, a assassinou a tiro de pistola-metralhadora em Baleizão, distrito de Beja(Baixo Alentejo), em 19/5/1954.
Como é sabido , o trabalho rural da monda e da ceifa era pago à jorna* em valores miseráveis.
O latifundiário dono do Monte do Olival propôs um valor que o rancho** de Baleizão não aceitou por o considerar demasiado baixo.
Porém, como Baleizão fica sobranceiro à herdade, a população a certa altura do dia viu um rancho a proceder à ceifa do trigo.
Juntou-se muita gente no largo e decidiu-se que um grupo de mulheres iria saber quanto era a jorna que o rancho estava a receber, na decisão de que se fosse a proposta recusada nada aconteceria, mas que se fosse mais baixa haveria protestos.
Entretanto, um destacamento da GNR de passagem para Serpa, onde também estava a acontecer algo semelhante, ao ver tanta gente junta ( uma coisa que sempre incomodou a ditadura) decidiu ir saber o que se passava.
As mulheres descendo para o Monte do Olival foram interceptadas a meio caminho por Carrajola, o oficial responsável pelo destacamento .
Usou , como era hábito, uns termos bem agressivos aos quais Catarina respondeu à letra. A reacção do tenente foi instântanea e brutal: esbofeteou-a. Ao ser assim agredida, a jovem avançou para ele e disse "Ah, se eu pudesse!".Foram as derradeiras palavras que pronunciou: Carrajola estendeu a mão , afastou as pernas da criança e disparou à queima-roupa , fulminando-a.
Na aldeia, quando o carro passou com ela, viram-na com a cabeça toda tombada para trás no banco e o cabelo , que usava comprido, solto.
Como se imagina , a indignação, a dor e a raiva tomaram conta das pessoas e Carrajola só não morreu nessa noite porque o viúvo( cantoneiro, inteligente, homem que sabia bem o que queria) assim decidiu.
Para o funeral, a população de Baleizão foi ao hospital de Beja tencionando trazer o corpo em cortejo funerário , a pé, até ao cemitério da povoação.
Evidentemente, o regime jamais permitiria tal coisa e após graves tumultos, as autoridades levaram o corpo para o cemitério de Pias, onde Catarina residia, pois embora tivesse nascido em Baleizão (13/2/1928), vivia naquela localidade, passando temporadas em casa da mãe.
O corpo só foi trasladado para Baleizão após 25 de Abril de 1974 e eu já fui de propósito à sua campa para rezar por ela( e por todas a vítimas de Salazar e Caetano).
Carrajola foi ilibado, dizendo o Relatório que a arma disparou por acaso e assim prosseguiu normalmente a sua vida, sem ninguém o incomodar.
Anos mais tarde, o seu filho e um dos filhos de Catarina trabalharam no mesmo local e falaram sobre o assunto. Mas, como é óbvio, não seria o filho do assassino a ter que responder por tão hediondo crime, embora tivesse feito saber quanto lamentava o que acontecera.
Conheci bem os dois filhos de Catarina , porque trabalharam ambos durante anos na pastelaria mais conhecida e frequentada do Barreiro, situada defronte do parque com o nome de sua mãe.
E é este tipo de opressão , de miséria e de falta de respeito pelas pessoas e pelos seus direitos que não podemos permitir que se volte a instalar em Portugal, por opção política de um bando de criaturas sem ética , nem ideais, nem valores.
* Jorna : o valor pago ao dia pelo trabalho no campo, decidido unilateralmente pelos lavradores.
**Rancho : grupo de homens e mulheres que efectuavam os trabalhos rurais. Geralmente, eram escolhidos diariamente no largo da aldeia pelos feitores das herdades.
NOTA:
Os factos foram-me relatados por testemunhas presenciais, a quem aqui deixo público e veemente reconhecimento . Existe ainda uma senhora com quase noventa anos, única sobrevivente do grupo de Catarina.
Os nossos mortos não morrerão se a nossa memória assim quiser!
ResponderEliminarnão se pode deixar que coisas assim se voltem
ResponderEliminarnão se pode apagar o passado
No conocía la historia. Y merece no ser olvidada.
ResponderEliminarBesos.
Conhecia a história, não tão pormenorizada. Falei dela num dos meus escritos sobre o Manuel. Um obrigada especial por no-la recordar.
ResponderEliminarUm abraço e bom Domingo
As Catarinas , as guerreiras , desta vida , nunca morrem . . .
ResponderEliminarEstamos tão necessitados de gente assim .
Neste momento , talvez não nos matem como fizeram com esta valorosa mulher ... vão - nos matando .
Um abraço , São , e obrigada por nos trazer Catarina ,
Maria
Os filhos a trabalharem lado a lado....
ResponderEliminarAs voltas que a vida dá! como se costuma dizer.
Olá, São!
ResponderEliminarTempos horríveis, aqueles, num país governado por gente primitiva e brutal - e também assassina...
Longe vá o agoiro, já chegou de ditadura!
Bom Domingo, boa semana; um abraço.
Vitor
Gostei de conhecer a história assim em primeira mão por testemunhas presenciais, se bem que já a conhecesse em traços gerais. A Catarina Eufémia vai viver durante muitos anos e bons na nossa memória coletiva...
ResponderEliminarBeijocas, São!
Já não estamos muito longe disto, São! E este povo não se mexe...
ResponderEliminarNão deixemos que apaguem a memória!
ResponderEliminarAbraço
Querida amiga:
ResponderEliminarmultiplicam-se na História as Catarinas.Quantas serão?Talvez milhares ou milhões.A Humanidade escreve sua História com sangue e lágrimas.
Ela virou uma flor, um anjo, livrou-se deste inferno em que transformámos o mundo.Deixou entretanto um exemplo de coragem e destemor que infelizmente não somos capazes de repetir. Nossa cobaedia e submissão torna-nos indignos drquer de viver.
As coisas contiunam exactamente como sempre fotram, e quem sabe? SEMPRE SERÃO ASSIM.
Mulheres como ela existem e continuarão existindo como também os assassinos. Se todos estivessem unidos, eles, os assassinos fugiriam como ratos, pois são a minoria.
Gostaria de poder visitar o túmulo dela e falar de minha admiração.
beijos, querida.
LÊ
Roasamarela ainda ciu uma vez de relance Carrajola, o assassino.
ResponderEliminarVivi até aos dez anos numa aldeia alentejana...cresci com essa memória, embora ela tenha acontecido antes de eu nascer.
ResponderEliminarJulgo que seria bom «despartidirizar» esse acontecimento, pois infelizmente ele tende a ser bem geral...sabes, São, que alguns dos meus alunos já trabalham «à jorna», a preços ridículos?!
Beijo grande
Querida Ana, como reparaste, nunca fiz uma única referência partidária: o que (me) interessa realmente é o símbolo de uma mulher que alçou a voz contra o opressor e foi brutalmente assassinada a frio por quem representava a ditadura.
ResponderEliminarAliás, jamais colocarei a foto da sua campa por esse mesmo motivo.
Não, não sabia...mas, desgraçadamente, não é nada que me surpreenda, pois a quadrilha que está no Poder - inclindo Cavaco - tem como objectivo destruir o país e levar as pessoas ao desespero apara qúe aceitem trabalhar seja em que condições sejam!
E o que me dói é a passividade reinante ...até quando?! O que será necessário mais para que nos revoltemos?!
Abraço fraterno.
Eu talvez também, já que Carrajola viveu para estas bandas...
ResponderEliminarFica bem, ROSAMARELA
As vítimas de Salazar e Caetano não podem ter dado a vida e o sofrimento em vão.
ResponderEliminarTemos o dever moral de os dar a conhecer às presentes gerações!
Um abraço, LINO
Querida LÊ, tem a razão de seu lado , por inteiro.
ResponderEliminarAssassinatos destes , torturas e injustiças sempre fizeram (e, infelizmente, fazem e farão) parte da Humanidade na sua loga estra evolutiva.
Ficam estas vítimas a iluminar-nos o caminho como faróis de esperança e a dra-nos exemplos vivos e imortais de coragem!
Não coloquei( nem colocarei ) a foto da campa, porque tem um símbolo partidário e eu acho que o seu martírio está muito além e muito acima de qualquer conotação política.
Aliás, houve uma cena lamentável entre dois Partidos da Esquerda , em baleizão, durante uma romagem ao túmulo porque cada um afirmava que Catarina era sua militante.
Paz à sua alma!
Um enorme e fraterno abraço, Amiga
Estão a assassinar-nos de uma outra maneira e a ficarem igualmente impunes...
ResponderEliminarPois, GRAÇA, "o povo é sereno"!
Que terão que nos fazer mais?!
Uma boa semana
E assim deverá ser, TETÉ! Porque estas novas gerações não t
ResponderEliminarem ideia nehuma dos horores que uma ditadura faz sobre o seu próprio povo e acham que a Democracia é perene !
Acerca de Catarina há muita coisa já que faz parte da lenda, inclusivamente que tinha 3 crianças, que foi escolhida para falar pelo grupo, que os homens nem queriam que as mulheres fossem junto do rancho que estava ceifando, etc.
Abraço grande.
Bom dia, VÍTOR!
ResponderEliminarOxalá não voltemos a ter igual ou semelhante ditadura.
Porém, neste momento, a DEmocracia está a ser seriamente posta em causa por este Governo sinistro de Paulo Portas/ Passos Coelho e sem que o medíocre Cavaco Silva seja um Presidente da República à altura do cargo que ocupa e tenha a coragem necessária para assumir as suas responsabulidades.
Uma boa semana, amigo.
Também fiquei asim como tu quando soube...
ResponderEliminarBom feriado e boa recuperação das dores jardinísticas.
MARIA, o que esta gentinha instalada no Poder nos está fazendo é mais cínico e perverso do que o que a ditadura nos impôs.
ResponderEliminarPorque Salazar e Caetano não disfarçavam, assumiram que chefiavam um regime autoritário e acabou!
Um abraço apertado
ELVIRa, gostei da sua forma de a homenagear através de uma foto do Parque com o seu nome, situado no barreiro.
ResponderEliminarBoa semana
Querido PEDRO , como imaginas, a tragédia (assim como tantaa outras) foi abafada durante a ditadura.
ResponderEliminarNeste momento, os actuais governantes pertencem a uma geração que não sabe os horrores que as ditaduras cometem sobre o seu próprio povo e , culpa da minha geração, acham que podem fazer tudo: até colocar a DEmocracia em risco.
Boa semana, amigo mio.
O trágico, SERGINHO, é que coisas impensáveis de agressaõ sobre o povo estão de regresso, sob a capa de eleições em que os elitores votam num programa que , assim que assumem o Poder, os governates trocam pelo seu oposto completo.
ResponderEliminarBoa semana, amigo meu.
Concordo contigo, ROGÉRIO!
ResponderEliminarSó que neste momemnto as pessoas suicidam-se e o Poder fica branqueado!!
Boa semana
J+a conhecia a história, embora não de forma tão pormenorizada. Obrigado por a teres partilhado connosco.
ResponderEliminarUma excelente semana, amiga
É necessário não deixar cair no esquecimento estas brutais tragédias que a ditadura privocou.
ResponderEliminarPenso também que a verdade já é tão dura que escusamos de entrar em versões fantasiosas, pois a lenda nada acrescenta.
Bons sonhos, CARLOS
Obrigada! Por nos avivar, a memória!
ResponderEliminarHá factos que desconhecia.
Beijinhos
Bom dia
ResponderEliminarEsta personagem é mais viva que todas as outras mortas no silêncio de uma cela ou nos trabalhos dos campos na torreira do Sol e na mingua de pão e de água.
Um texto que faz doer a alma, porque eles voltaram e apressados disparam voltando a fazer vítimas aqui e além.
Não nos domarão como cães amestrados. Unidos venceremos.
Ainda há dias uma amiga contava a história numa entrevista...
ResponderEliminarBeijinho São :)
Só agora pude vir, São.
ResponderEliminarQue história! Não sei o "grau" de divulgação dela (era desconhecida, para mim) mas seria importante que fosse mais divulgada, torrar-se um livro, um filme. Aquí no Brasil, desde sempre, cometem-se barbaridades desse gênero. Na "nossa" Ditatura aconteceram coisas terríveis.
Acabei de ler um livro sobre Antônio Conselheiro, personagem retratado em "Os Sertões", de Euclides da Cunha. O livro que agora li, conta toda a verdade histórica sobre Antônio Conselheiro. São mártires, cujas histórias, precisam ser resgatadas.
Parabéns, São!
Um beijo,
da Lúcia
Caro LUÍS COELHO, é criminoso permitir que as actuais gerações não saibam o que foi o horror da Ditadura.
ResponderEliminarOs poderosos protegidos por Salazar e Caetano regressaram em força e , aproveitando o facto de a Direita estar em todos os Governos europeus, estão a vingar-se do 25 de Abril e uma das formas é o desemprego, para que as pessoas acabem por aceitar trabalhar por salários miseráveis e sem direitos .
SE quisermos, não nos assassinarão, mas temo que muita gente esteja perfeitamente alienada e tudo isto descambe em conflito armado, sabe?
Bons sonhos
Desgarradora historia, pero lo más triste es que no se haya hecho justicia.
ResponderEliminarUn abrazo.
Como muitas ootras, infelizmente.
ResponderEliminarESta é mais conhecida, porque Baleizão era uma terra de luta...mas a ditadura torturou e assassinou muita gente no campo de concentração do Tarrafal (Cabo Verde), em Peniche, em Caxias, na Terceira.
Chegou a matar a tiro um estudante dentro da Universidade!!
Bons sonhos, Rafael
Não admire, MINA, porque a lenda criou-se e muita coisa não aconteceu, como por exemplo, ter morrido nos braços do patrão , ter três crianaçs, a GNR ter ferido mais pessoas.
ResponderEliminarTemos que fazer saber estes ferozes actoa da ditadura Salazar -Caetano às novas gerações, para que também defendam a DEmocracia e para que saibam que o estudante Ribeiro dos Santos foi assassinado também a tiro pela PIDE dentro da Universidade.
Abraços a si e ao Bruno.
Ele devia ter-se vingado, esperar pela vingança da sociedade, a que chamam patuscamente Justiça, é dar dinheiro a licenciados que fazem falta no trabalho do campo. boa semana
ResponderEliminarNão era o rei assassinado a tiro no Terreiro do Paço que se lamentava de que reinava sobre uma choldra? Pois , agora, ainda está bem pior!
ResponderEliminarBoa semana
Esperemos que sem os floreados do costume, pois há muita coisa acrescentada...
ResponderEliminarFica bem, MARIA...e não te percas , rrss
António Conselheiro, pois também não conheço.
ResponderEliminarAqui o drama de Catarina é razoavelmente conhecido, mas -como bem diz - deveria dar um filme.
Infelizmente, criou-se uma lenda enorme e partidarizada, o que é lamentável.
Casos de pessoa mortas a tiro pela PIDE (polícia política)foram o estudante Ribeiro dos Santos no interior da Universidade de Lisboa e o pintor Dias Coelho numa rua lisboeta ( onde mais tarde trabalhei).
Torturas bárbaras, atropelos à lei, selvajarias , perseguições...tudo Salazar e Caetano utilizaram para manter a ditadura.
Temos, penso, o dever moral e de gratidão, de fazer passar o testemunho destas pessoas às gerações seguintes.
Abraço grande, LUCINHA
O António era (é embora a separação do grande mar e a falta de contacto) meu amigo, o outro filho não cheguei a conhecer.
ResponderEliminarUm abraço, grande.
Desconhecia essa tua amizade com um dos filhos de Catarina.
ResponderEliminarSabes que um dia destes houve quem mostrasse dúvidas acerca do assassinato???
Fica bem