EU, MULHER

Comemora-se o primeiro centenário do Dia da Mulher.

Tenho o corpo ferido e a alma em chaga pelo esforço de desbravar estreita vereda na cerrada floresta da desigualdade, do preconceito, da discriminação.

Começo a vislumbrar uma luz ao fundo do túnel, não posso negar.

Mas ainda sou aquela que é responsabilizada pela perdição da Humanidade e a que é proibida de pensar por si na Bíblia, livro sagrado para largos milhões de seres humanos.

Sou Hypatia, brilhante filósofa e matemática de Alexandria, esfolada viva pelos cristãos em nome da submissão feminina e do perigo do conhecimento.

Sou a menina abusada e violentada, escravizada em bordéis onde me compram os poderosos do mundo.

Sou a adolescente africana, utlizada como escrava sexual .

Sou a garota brasileira de nove anos engravidada por um patife a quem o Vaticano nem sequer mencionou quando me condenou a suportar uma gravidez de gémeos.

Sou a primeira a ser despedida em tempo de crise. 

Sou a que trabalha em rede, atendendo a todas as solicitações.

Sou aquela que cobrem com burka, mas também sou aquela cujo corpo nu e retalhado aparece como chamariz comercial para todos os produtos.

Sou a que entrou em trabalho de parto nos campos de concentração nazis e cujas pernas foram amarradas.

Sou a parteira que a Inquisição queimou nas suas fogueiras por auxiliar a parir e não respeitar, assim,  a decisão divina de que a mulher deve sofrer para dar vida a outro ser.

Sou a esposa humilhada, atraiçoada, espancada, mas que deve suportar essa situação até que a morte nos separe.

Sou a mãe solteira a quem Salazar proibiu o atendimento nos hospitais públicos.

Sou Aminetu Haidar, em greve de fome num aeroporto porque reivindiquei a minha nacionalidade.

Sou Aung San Su, há largos anos em prisão domiciliária pelas minhas ideias políticas.

Sou Kathryn Bigelow, a primeira realizadora a ser distinguida em Hollywood - hoje precisamente.

Sou a menina muçulmana a quem extirpam o clitóris.

Sou a lésbica sofrendo dificuldades de toda a ordem porque tive a coragem de me assumir.

Sou a mulher completamente alienada que acha naturalissimo  o poder ser totalmente masculino e que nem sequer entende a luta das outras mulheres pelos seus direitos.

Sou eu própria a que a Associação católica "Leigos para o Desenvolvimento" recusou como voluntária por me considerar demasiado velha, com 55 anos.Mas, como o dinheiro não tem idade nem cheiro,aceitaria a verba que eu doasse, claro.

Quando serei sómente Mulher?!